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Como negar publicamente virou o primeiro passo para ceder
Há 29 anos caminho pelos corredores da Câmara dos Deputados. Nesse tempo, já vi de tudo: escândalos, reconciliações, discursos inflamados, abraços entre rivais e até juras de lealdade política que duraram menos que um cafezinho frio do Salão Verde. Mas há um tipo de declaração que, quando ecoa pelo microfone, me dá arrepios: o “jamais” político.
Funciona assim: o parlamentar, acuado por denúncias ou diante de uma crise, ergue o queixo, mira as câmeras e solta um “Não renunciarei” ou algum primo próximo — “Não sou frouxo”, “Não tenho nada a temer”, “Não cederei”. É nesse momento que eu penso: pronto, a maldição foi invocada.
Essa retórica, meu caro leitor, tem uma taxa de mortalidade política altíssima. É como se o “jamais” fosse um feitiço de autoaniquilação, um carimbo invisível que marca o fim do mandato. Os exemplos estão por toda parte e atravessam gerações:
E agora chegamos ao capítulo mais fresco dessa novela: Hugo Motta, 2025. No início do mandato como presidente da Câmara, reagiu às críticas com um categórico “Eu não sou frouxo”. Nesta semana (06/08/2025), quando deputados da extrema direita ocuparam o plenário, o desfecho foi simbólico: quem entrou para negociar a saída foi Arthur Lira, o antecessor. Nada mais irônico do que precisar de outro para resolver a crise que desafiava a sua própria afirmação de força.
Porque na política, meu amigo, a palavra “jamais” é como assinar um cheque pré-datado para a própria queda. Quem governa ou preside uma Casa Legislativa vive de alianças — e alianças não são estáticas. O “jamais” congela a retórica, mas a realidade política é líquida. E líquido, como sabemos, escapa por qualquer fissura.
Essa maldição não é metafísica, é matemática: quanto mais enfática a negativa, mais intensa a curiosidade da imprensa, mais rápida a erosão do apoio político, mais inevitável o recuo. O “não renunciarei” é, na verdade, um “não estou pronto para admitir que vou renunciar”.
O povo brasileiro já aprendeu a decifrar o código. Ao ouvir a negativa repetida, já antecipa o próximo ato da peça: coletiva para “preservar a instituição”, discurso emocionado sobre “respeitar a história do cargo” e, claro, a porta aberta para um futuro retorno.
É por isso que, quando um político diz “jamais”, eu não ouço promessa; ouço prenúncio. Não é dom de profeta, é experiência de quem viu essa mesma cena tantas vezes que já sabe até o horário da cortina cair.
E assim segue a maldição: cada novo “não sou frouxo” ou “não renunciarei” é só mais um capítulo de um romance político que mistura tragédia, comédia e reincidência. O nome do livro?
“A Irmandade do Nunca-Renúncio – Volume Infinito”.