A Maldição do “Jamais” e a Saga do “Eu Não Sou Frouxo”

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A Maldição do “Jamais” e a Saga do “Eu Não Sou Frouxo”

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A Maldição do “Jamais” e a Saga do “Eu Não Sou Frouxo”

Como negar publicamente virou o primeiro passo para ceder

 

Há 29 anos caminho pelos corredores da Câmara dos Deputados. Nesse tempo, já vi de tudo: escândalos, reconciliações, discursos inflamados, abraços entre rivais e até juras de lealdade política que duraram menos que um cafezinho frio do Salão Verde. Mas há um tipo de declaração que, quando ecoa pelo microfone, me dá arrepios: o “jamais” político.

Funciona assim: o parlamentar, acuado por denúncias ou diante de uma crise, ergue o queixo, mira as câmeras e solta um “Não renunciarei” ou algum primo próximo — “Não sou frouxo”, “Não tenho nada a temer”, “Não cederei”. É nesse momento que eu penso: pronto, a maldição foi invocada.

A praga que atravessa décadas

Essa retórica, meu caro leitor, tem uma taxa de mortalidade política altíssima. É como se o “jamais” fosse um feitiço de autoaniquilação, um carimbo invisível que marca o fim do mandato. Os exemplos estão por toda parte e atravessam gerações:

  • Fernando Collor, 1992: jurou que não renunciaria, mas deixou o cargo minutos antes do impeachment, num gesto que misturou desfecho jurídico e teatro romano.
  • Antonio Carlos Magalhães, 2001: poderoso presidente do Senado, também garantiu que não deixaria o posto. Percebeu, porém, que o plenário confirmaria a recomendação do Conselho de Ética no caso da violação do painel eletrônico. Renunciou antes que a guilhotina caísse.
  • José Roberto Arruda, 2001: negou tudo no mesmo escândalo do painel. Disse que não renunciaria… até renunciar. Anos depois repetiu a dose no Mensalão do DEM, só que com final ainda pior: prisão.
  • Jader Barbalho, 2001: garantiu que não tinha nada a esconder no caso Banpará/Finam. O “jamais” durou pouco; renunciou para salvar o futuro político e, como bom sobrevivente, voltou anos depois.
  • Severino Cavalcanti, 2005: prometeu resistir à pressão, mas caiu em questão de dias.
  • Eduardo Cunha, 2016: “não renunciarei, tenho consciência tranquila” — até que a Lava Jato apertou e a consciência ficou mais leve sem a presidência da Câmara.

E agora chegamos ao capítulo mais fresco dessa novela: Hugo Motta, 2025. No início do mandato como presidente da Câmara, reagiu às críticas com um categórico “Eu não sou frouxo”. Nesta semana (06/08/2025), quando deputados da extrema direita ocuparam o plenário, o desfecho foi simbólico: quem entrou para negociar a saída foi Arthur Lira, o antecessor. Nada mais irônico do que precisar de outro para resolver a crise que desafiava a sua própria afirmação de força.

Por que sempre dá errado?

Porque na política, meu amigo, a palavra “jamais” é como assinar um cheque pré-datado para a própria queda. Quem governa ou preside uma Casa Legislativa vive de alianças — e alianças não são estáticas. O “jamais” congela a retórica, mas a realidade política é líquida. E líquido, como sabemos, escapa por qualquer fissura.

Essa maldição não é metafísica, é matemática: quanto mais enfática a negativa, mais intensa a curiosidade da imprensa, mais rápida a erosão do apoio político, mais inevitável o recuo. O “não renunciarei” é, na verdade, um “não estou pronto para admitir que vou renunciar”.

A plateia já sabe

O povo brasileiro já aprendeu a decifrar o código. Ao ouvir a negativa repetida, já antecipa o próximo ato da peça: coletiva para “preservar a instituição”, discurso emocionado sobre “respeitar a história do cargo” e, claro, a porta aberta para um futuro retorno.

É por isso que, quando um político diz “jamais”, eu não ouço promessa; ouço prenúncio. Não é dom de profeta, é experiência de quem viu essa mesma cena tantas vezes que já sabe até o horário da cortina cair.

E assim segue a maldição: cada novo “não sou frouxo” ou “não renunciarei” é só mais um capítulo de um romance político que mistura tragédia, comédia e reincidência. O nome do livro?

“A Irmandade do Nunca-Renúncio – Volume Infinito”.

 

 

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