O Centrão e a Política do Caos Administrado: O Fio de Algodão da República Brasileira

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O Centrão e a Política do Caos Administrado: O Fio de Algodão da República Brasileira

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“Onde todos conspiram para manter o jogo em movimento, ninguém mais se pergunta sobre o sentido da partida.” — Nietzsche


Nota Editorial Inicial

Esta análise isolada investiga o papel do Centrão na atual crise institucional brasileira, sem contrapontos a outros atores. É apenas o primeiro capítulo de uma série: nas próximas publicações, examinaremos de modo igualmente rigoroso os partidos de esquerda e de direita, o Ministério Público, o Judiciário, o Executivo e, por fim, o próprio povo brasileiro.


O Fio sobre o Abismo

Imagine um país suspenso sobre o abismo — não por estruturas sólidas, mas por um fio de algodão. Eis o Brasil constitucional: Estado, Constituição e Poderes flutuam sob tensão permanente, sustentados por acordos frágeis, moralidade seletiva e uma população que ainda não se reconheceu como sujeito político.

Essa metáfora sintetiza a fragilidade de um sistema que parece funcionar, mas que estala e se desmancha ao primeiro choque. A Constituição de 1988, símbolo da redemocratização, transformou‑se num tecido esgarçado, remendado e reinterpretado por todos — ora em nome da moralidade, ora do realismo político, ora da conveniência institucional.


O Método Centrão: O Guardião da Estabilidade Imoral

O Centrão se coloca como o meio-termo entre o saber e a ignorância — ou entre o caos e o autoritarismo. Não é o polo do esclarecimento ético, tampouco da ignorância inconsequente. Ele opera na ambiguidade: não entrega o jogo a um só lado, mas negocia seu apoio ao maior ofertante.

É guardião da governabilidade pela chantagem e freio invisível contra rupturas radicais. Como dizia Aristóteles, a virtude está no meio — mas o Centrão pratica a estabilidade do possível, não a virtude: sacrifica a coerência ética em nome da permanência no poder.

Ele impede medidas extremas ou ilegais, não por compromisso jurídico ou moral, mas porque a incerteza alimenta seu valor de barganha. Em essência, o Centrão lucra com as crises — se não houver rupturas, não há mercado de poder.

Isso significa que o Centrão:

  • Nunca fecha questão ideológica real — mantém-se disponível ao maior pagador (verbas, cargos ou blindagem jurídica);
  • Age como “moeda de troca da democracia”, mantendo o jogo aberto, mas travando avanços ousados;
  • Sustenta e aprisiona a democracia representativa, ao mesmo tempo em que se apresenta como seu indutor.

É um paradoxo: o mesmo agente que impede a derrocada autoritária sabota reformas profundas, justiça social arrojada ou responsabilização política genuína.


Cativeiro e Base da Democracia

A naturalização do Centrão como “base da democracia” revela que nossa democracia não repousa numa cidadania ativa, mas em acordos fisiológicos entre elites. A Constituição é lida como carta de negociação, não como pacto normativo. O resultado:

  • Qualquer política estratégica de longo prazo é capturada e neutralizada;
  • O presidencialismo de coalizão degenerou em presidencialismo de chantagem.

Veja onde chegamos:

  • O STF é atacado, mas protegido quando conveniente;
  • O Executivo é refém da base congressual, mas também refúgio do Centrão;
  • O povo… assiste a um jogo cujas regras são negociáveis e cujo árbitro também quer jogar.

O Centrão mantém o tabuleiro em movimento, mas esvazia seu conteúdo ético e transformador. Na prática, captura o país numa zona de mediocridade permanente — nada avança, tudo se finge de necessário.

Em meio a esse panorama, o Centrão surge, paradoxalmente, como o único mecanismo de defesa aparente que a sociedade tem contra governos de esquerda ou de direita que tentam implantar políticas consideradas extremistas — seja na defesa do conservadorismo mais rígido, seja no avanço liberal-progressista. Ao bloquear medidas radicais, o Centrão assume a aparência de guardião do equilíbrio, ainda que esse “equilíbrio” seja sustentado por barganhas, chantagens e interesses oportunistas.


Caso Ramagem: A Sustação que Expôs a Estratégia

Em 07/05/2025, o Centrão impôs ao STF um dilema político: o Plenário da Câmara aprovou, por 315 votos a 143 (e 4 abstenções), texto que prevê que será “sustado o andamento da ação penal contida na Petição 12.100, em curso no STF, em relação a todos os crimes imputados”. A redação provocou polêmica entre parlamentares, pois não especifica que a sustação se refere apenas ao deputado Delegado Ramagem (PL-RJ) — a ação engloba oito acusados, inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro. A medida foi formalizada como Resolução nº 18/25.

Liderado pelo Centrão e aliados bolsonaristas, o movimento não apenas confrontou diretamente o STF, mas pavimentou a reabilitação política de Bolsonaro. Paralelamente, articularam-se mudanças no foro especial para transferir processos do STF a instâncias inferiores, reduzindo o alcance do controle judicial sobre a elite política.


A Crise como Estratégia: A Política do Caos Administrado

O Centrão não governa — ele administra a crise. Cultiva rachaduras para depois se apresentar como único capaz de curá-las. O ciclo é sempre o mesmo:

  1. Cria-se a crise;
  2. Demoniza-se o inimigo (STF, imprensa, oposição, servidor público, minorias);
  3. Assume-se o discurso dominante;
  4. Consolida-se a estrutura que gerou a crise.

Assim, rachaduras viram fraturas sociais, desconfiança institucional e, no limite, barbárie programada. O Centrão é o fio de algodão sobre o qual o país caminha: flexível, opaco, invisível — e hediondamente perto de se romper.


Conclusão: O Fio que Sustenta a Farsa

A Falência dos Três Poderes — o Legislativo como mercado de votos, o Executivo refém de chantagens e o Judiciário oscilando entre protagonismo e omissão — revela que o sistema político brasileiro funciona como uma simbiose de vaidades, onde cada poder busca sua sobrevivência à custa do bem comum. O Ministério Público, ora heróico, ora abusivo, também se perdeu nesse jogo de castas blindadas, em guerra constante por soberania.

Nesse contexto, o Centrão não apenas habita os subterrâneos do poder: tornou-se o eixo de sustentação da governabilidade cativa. Ao manipular crises e negociar a Constituição como mercadoria, sustenta uma democracia simulada e decadente.

O Brasil segue sobre o fio de algodão — não por falta de ideias, mas porque quem o segura prefere a chantagem à travessia. O fio não sustenta: chantageia. E enquanto permanecer intacto, manterá o país à beira do abismo, sem coragem de atravessá-lo.

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