Líder da Minoria no exterior: o que a Câmara precisa decidir sobre Eduardo Bolsonaro
A Presidência da Câmara deve decidir uma Questão de Ordem: acatar ou não a indicação de liderança enquanto o indicado se encontra fora do país. O ponto central é normativo: presença, missão autorizada e licenças.
Resumo
Eduardo Bolsonaro foi indicado para a liderança da Minoria estando no exterior. A Presidência da Câmara analisará uma Questão de Ordem (QO) para decidir se acata a indicação. O núcleo do debate não é político, mas regulatório: é possível exercer a liderança regularmente do exterior sem missão autorizada ou sem licença compatível?
O que está em jogo
- Liderança é função ativa: presença em Plenário, Colégio de Líderes, negociações e orientação de bancada.
- Estar no exterior não é, por si, justificativa de ausência.
- Para atuar de fora do país com respaldo jurídico é preciso:
- Missão autorizada (ato formal da Presidência, com finalidade institucional e prazo), ou
- Licença prevista no Regimento (saúde; interesse particular, sem remuneração), com efeitos próprios.
- “Assunto particular” não é categoria autônoma de justificativa. Se for o caso, deve ser licença por interesse particular (LIP) — que afasta do exercício e pode levar à convocação de suplente se o período ultrapassar 120 dias.
As regras que importam (guia de bolso)
Constituição Federal
- Art. 55, III e §3º — faltas injustificadas a 1/3 das sessões ordinárias podem levar à perda de mandato.
- Art. 56, II e §1º — LIP (sem remuneração) e suplência quando a licença ultrapassa 120 dias.
Regimento Interno da Câmara (RICD)
- Art. 38, parágrafo único — “missão autorizada” via Comissão Externa: até 8 sessões no Brasil e 30 no exterior, para representar a Câmara.
- Arts. 227–228 — dever de presença e ciência formal quando o parlamentar sai do país (natureza e duração).
- Arts. 235–237 — modalidades de licença e rito do requerimento fundamentado.
Atos da Mesa (Câmara)
- Ato 31/2012 — missão oficial no país ou exterior exige autorização prévia do Presidente e prestação de contas.
- Ato 66/2010 (alterado em 2015) — transparência do painel de presenças e rol taxativo de ausências justificadas: decisão da Mesa, licença médica, missão autorizada, obrigação político-partidária (OPP).
- Ato 123/2020 (vigente) — presença/voto remoto apenas para missão autorizada comunicada à SGM ou quando a ausência estiver enquadrada nas hipóteses do Ato 66/2010.
Pareceres/Consultas da CCJC
- Consulta 5/2008 — licenças se somam; ao ultrapassar 120 dias, convoca-se suplente (regra objetiva).
- Consulta 31/2013 — LIP é afastamento real; incompatível com exercício de funções públicas.
STF (parâmetro nacional)
- ADI 7253/AC e ADI 7254/PE — consolidam o marco de 120 dias (art. 56, §1º): não pode ser flexibilizado; afastamentos por interesse particular acima disso atraem suplência e, no modelo estadual, até perda de mandato (modulada).
O nó da liderança à distância
- Missão autorizada não é cheque em branco — é excepcional, tem prazo (no exterior, teto de 30 sessões quando via Comissão Externa) e finalidade institucional. Exige ato formal e comprovação. Não ampara “moradia” ou permanência prolongada fora do país.
- OPP não substitui licença — “obrigação político-partidária” justifica eventos pontuais. Não vira salvo-conduto para ausência continuada, nem habilita presença/voto remoto por conta própria.
- LIP × liderança — se a justificativa é “assunto particular”, a via correta é LIP. LIP afasta o parlamentar da atividade ordinária; manter liderança sob LIP desvirtua a licença. Ultrapassado 120 dias (isoladamente ou somando afastamentos), convoca-se suplente.
- Vice-líder tem exceção própria? — Não. Vice-líder só se beneficia de OPP/missão se formalmente designado para cumprir ato específico de liderança no evento.
O que a Questão de Ordem deve responder
1) Há ato formal de missão autorizada? Se sim, qual a finalidade institucional, o período e a comunicação à SGM? Está dentro do teto (art. 38, p.u.)? Houve prestação de contas (Ato 31/2012)? Se não, a ausência no exterior é particular e não se enquadra como justificativa idônea para presença/voto remoto.
2) Houve pedido e deferimento de licença? LIP foi deferida? Quais datas/duração? Haverá convocação de suplente se ultrapassar 120 dias? Sem licença, “assunto particular” não é justificativa prevista no Ato 66/2010.
3) É possível exercer a liderança nessas condições? Liderança requer atuação constante. Sem missão autorizada ou com LIP, não há base para liderança “à distância” como regra.
Cenários e consequências
Cenário A — Indicação mantida com missão autorizada válida
Exige ato formal, prazo definido, comunicação à SGM e prestação de contas; dentro do teto e sem transformar exceção em regra.
Cenário B — Indicação mantida com justificativa “particular” (sem licença)
Incompatível com o regime. Ausências contam para quórum e podem incidir no art. 55, III (1/3 das sessões), além de não habilitar presença/voto remoto.
Cenário C — Indicação mantida com LIP
Desaconselhado juridicamente: LIP implica afastamento. Liderança ativa sob LIP contraria a natureza da licença. Afastamentos >120 dias exigem suplente.
Cenário D — Indicação não acatada
Preserva a coerência normativa (CF, RICD, Atos, CCJC, STF), evitando transformar exceção (missão/OPP) em regra e separando “assunto particular” do exercício de funções de liderança.
Por que isso importa
- Segurança jurídica: liderança “remota por residência no exterior” não existe no ordenamento.
- Transparência: o painel de presenças/justificativas deve refletir exatamente o enquadramento (Ato 66/2010).
- Isonomia: as regras valem para todos os deputados; ser líder não cria nova justificativa.
- Estabilidade institucional: evita contestações sobre quórum, votações, suplência e atos da liderança.
Posição editorial do Blog do Loiola
A Questão de Ordem não é política; é regulatória: sem missão autorizada ou sem licença compatível, não há como exercer a liderança da Minoria de modo regular a partir do exterior. Se a justificativa é particular, a via correta é LIP – que afasta da atividade e pode levar a suplência se ultrapassar 120 dias. Respeitar essa moldura protege a legitimidade do Plenário, a isonomia entre parlamentares e a qualidade da representação.
Base normativa consultada: CF/88 (arts. 55 e 56); RICD (art. 38, p.u.; arts. 227–228; arts. 235–237); Atos da Mesa 31/2012, 66/2010 e 123/2020; CCJC 5/2008 e 31/2013; STF: ADI 7253/AC e ADI 7254/PE.




