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Seminário: Impactos socioambientais e climáticos do uso da IA — 02 de outubro de 2025 — Câmara dos Deputados, Plenário 11, Anexo II — Assista ao vídeo do seminário
A Medida Provisória nº 1.318/2025 acerta ao reconhecer data centers como infraestrutura estratégica para modernizar a base digital do país, reduzir custos, atrair investimentos e reforçar a soberania tecnológica. Erra, porém, ao tratar “energia limpa” como bloco monolítico, sem explicitar o papel da energia firme e contínua de baixas emissões — em especial a nuclear, inclusive SMRs (Small Modular Reactors).
Em uma economia onde IA e HPC exigem carga 24/7 densa e estável por semanas ou meses, a qualidade da energia (continuidade horária, previsibilidade de preço, controle de emissões) pesa tanto quanto a quantidade. Sem lastro firme e limpo, o sistema tende a dois atalhos ruins:
(i) backup fóssil como “cola” de confiabilidade; ou
(ii) pressão hídrica quando a refrigeração tenta compensar a intermitência em regiões sensíveis.
Ambas as rotas sabotam a perenidade ambiental e o propósito do REDATA. A MPV avança ao fixar WUE ≤ 0,05 L/kWh e exigir 100% de suprimento por fontes “limpas ou renováveis”, mas não estabelece PUE nem hourly matching 24/7 — criando um gap regulatório: economizar água às custas de gastar muito mais energia (ou emissões) é um trade-off arriscado.
A MPV inaugura um regime para atrair e expandir data centers no Brasil, com metas de sustentabilidade e contrapartidas de P&D. É o passo certo no tabuleiro da soberania digital — onde se disputa não só tráfego, mas capacidade computacional sob leis brasileiras. Falta, contudo, clareza operacional: “limpa” é energia de baixas emissões, mas nem sempre é contínua na escala horária que IA/HPC exigem. Sem separar “limpa” de “limpa e contínua”, o texto abre margem a greenwashing (compensações de papel) e ao uso rotineiro de geradores fósseis.
Em 02 de outubro de 2025, no Plenário 11, destaquei a necessidade de proteger criptografia/segurança de dados e de explicitar nuclear/SMR como fonte apta a lastrear 24/7, conforme as Emendas 117 e 118, protocoladas na referida MPV. Abordei rejeitos nucleares, citando a rota nórdica como referência de gestão de longo prazo. Premissa operacional: cargas de IA operam 24/7; renováveis isoladas não garantem esse perfil hora a hora sem armazenamento de grande porte e alto custo. Por isso, mundo afora, Big Techs firmam PPAs de 15–20 anos com energia limpa e contínua, assegurando previsibilidade, confiabilidade e baixo carbono para treinos prolongados.
Ficou registrado em plenário que, na leitura do Executivo, a expressão “fontes limpas” pode abranger nuclear (embora não renovável). Importante: isso não está tipificado na MPV; depende de regulamento.
Expliquei que a emenda não era disputa semântica, e sim precisão normativa: como muitas normas tratam “renovável/limpa” por rol fechado, citar expressamente “nuclear (incl. SMR)” evita interpretação restritiva nos processos de licenciamento e fiscalização. Em paralelo, ficou claro que há disputa: emendas tentam incluir gás, biometano e nuclear sob o rótulo “limpa”, com menções a microrreatores para data centers — reforçando a necessidade de critério (não de slogan).
Finlândia (Onkalo, Olkiluoto) — referência mundial. Operado pela Posiva, é o primeiro repositório geológico profundo a entrar em etapa de operação. A ~430–500 m de profundidade em rocha cristalina, adota o método KBS-3 (canister de cobre + argila bentonítica + barreira geológica). Não é “fundo do mar”; é subterrâneo em embasamento estável, com múltiplas barreiras passivas projetadas para centenas de milhares de anos; ensaios de encapsulamento e transferência já concluídos; a AIEA o classificou como “game changer”.
Suécia (Forsmark, Östhammar) — o segundo país nessa rota. Em 2022, o governo aprovou o sistema final da SKB (encapsulamento em Oskarshamn e repositório em Forsmark, também a ~500 m). Em 2025, iniciou-se a construção, com capacidade projetada para ~12 mil toneladas e ~60 km de túneis (havia debate técnico sobre corrosão do cobre — normal em licenciamento). Conclusão prática: se a objeção central for rejeito, adote-se Onkalo/Forsmark (KBS-3) como condicionante regulatória — tecnologia há; falta decisão normativa.
Treinamentos de IA rodam por semanas/meses. Sem lastro físico de baixas emissões, a rede recorre a geradores e compensações “verdes” que não garantem origem hora a hora. Aqui entram SMRs/nuclear: densidade energética, inércia, previsibilidade e emissões operacionais muito baixas — combináveis com eólica/solar para reduzir custo médio, estabilizar o SIN e evitar o “vai-e-vem” térmico.
O que são RECs? Certificados que atestam que 1 MWh renovável foi gerado em algum lugar da rede. A empresa casa seu consumo com essa geração — mesmo que, na operação real, a energia local fosse fóssil.
Qual o problema? Para IA/HPC, declarar “100% renovável no ano” não garante operação carbon-free hora a hora. Daí a crítica de greenwashing. O padrão que se impõe é 24/7 Carbon-Free Energy: casar consumo horário do site com geração sem carbono na mesma região — via PPAs 24/7, armazenamento e lastro firme limpo (nuclear/hidráulica despachável), com métricas horárias auditáveis.
Resumo:
Big Techs e PPAs nucleares (20 anos)
Hiperescala de IA (ordem de grandeza “sistema elétrico”)
Arquiteturas “fora da caixa”: mar e órbita
Mensagem inequívoca: “limpa” não basta; precisa ser limpa e contínua, auditável hora a hora — exatamente o que o nuclear firme (e, no futuro, arquiteturas orbitais) entregam.
Enquanto Microsoft e Meta fecham PPAs nucleares de 20 anos e OpenAI/Oracle/SoftBank montam hiperescala de ~7→10 GW, discutir “limpa” sem “limpa e contínua” é perder o trem por hesitação normativa. Se ficarmos presos a RECs/offsets e diesel, viramos periferia computacional: exportamos dados, importamos dependência e pagamos caro no tráfego internacional.
Com ajustes simples e técnicos na MPV, como no caso das Emendas 117 e 118, o REDATA vira ponte: atrai megainvestimentos, reduz emissões com lastro limpo 24/7, protege água com métricas e consolida a soberania digital do Brasil — enquanto o mundo testa mares e órbita, não podemos assistir da arquibancada.
Nota: Este artigo foi produzido por Leonardo Loiola Cavalcanti com colaboração de IA (assistência redacional e curadoria técnica).