O QUE DIZ A CONSTITUIÇÃO FEDERAL SOBRE ABORTO EM RAZÃO DE ESTUPRO?

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O QUE DIZ A CONSTITUIÇÃO FEDERAL SOBRE ABORTO EM RAZÃO DE ESTUPRO?

Por: Leonardo LOIOLA Cavalcanti

Eu estava relutante em escrever sobre o tema, uma vez que o conteúdo, a análise de fundo, sobre o direito de abortar um bebê em razão de estupro, foi deixado para trás, diante da polarização política que estamos vivendo onde tudo se encontra politizado e as opiniões se transformando em verdades absolutas, ao passo de asfixiar a razão, a lógica e a filosofia.

Como adoro uma polêmica e gosto de provocar os que se sentem com a capa da justiça, com a espada que separa o bem e mal, não resisti e, diante da minha desobediência ao politicamente correto, não tive como me conter.

Com efeito, aqui estou eu falando com você, leitor, que certamente irá me refutar e, conto que seja por meio da razão e não do drama que se assola à vítima que sofre o efeito do crime, no caso, a gravidez, bem como se abster das paixões políticas e religiosas.

Caro leitor, nossas vidas estão em curso desde nossa concepção, desde nosso nascimento, desde nossos pensamentos. Resta saber quando, juridicamente, se considera a vida.

A grande discussão: a vida se inicia a partir da concepção, ou da formação dos pulmões, ou da formação do cérebro ou da formação do sistema nervoso o da formação completa de seus membros e órgãos, ou somente quando nascer com vida e respirar?

O pensador Descartes assim concluiu sobre o que é a vida: Penso, logo existo!

Já Martin Buber, pensa que a vida só existe com o EU-TU, para dizermos ISSO-ISTO!

Como já dizia o pré-socrático Heráclito de Efésio: “Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio”, porquanto não se encontra as mesmas águas e o próprio ser humano já se modificou.

Neste mundo tangível, aos nossos olhos tudo parece ser perene, estático, mas o tempo não perdoa e nem volta atrás, ele segue o fluxo de sua jornada, na expansão do universo por onde o tecido cósmico permite sua trajetória, não sabendo se seu movimento se estende pela eternidade em uma linha reta sem fim ou se seguirá em um círculo vicioso, onde tudo se expande e depois se retrai, com uma infinita repetição dos quadros do tempo.

A filosofia é a mais popular e assertiva sobre o que é a vida humana, sobre sua dignidade, do usufruto da vida, da liberdade, da autodeterminação e o direito pleno de direitos individuais, principalmente, os direitos reprodutivos de mulheres que foram privilegiadas (talvez, algumas, não se sintam privilegiadas) em conceder em seu corpo abrigo para a continuidade da vida.

Assim, busco indagar aos nobres leitores se uma gravidez ocorrida mediante estupro, sem colocar em risco a vida da gestante, é JUSTO e aceitável em termos constitucionais, uma vez que a norma é criada sempre visando à proteção da sociedade e de modo individual.

Por se tratar de um Estado Laico, não adentrarei em questões religiosas, apesar de que os textos religiosos serviram para consolidar a estrutura do direito e de normas para civilizar o homem.

Sem lengalenga, vamos ao que interessa.

O artigo 5º, da Constituição Federal, assim preconiza:

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

 

Ora, o termo “Todos” designa pessoas, seres humanos, e, neste caso, incluí-se a vida extrauterina, visto que a lei estabelece direitos ao feto, como no caso de garantia de pensão alimentícia gravídico, conforme Lei 11.804/2008:

 

Art. 6o Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré.

Parágrafo único. Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão.

 

A Lei buscou proteger a gestante para que esta pudesse ter a assistência médica e psicológica e o parto, a fim de garantir ao nascituro o direito de nascer com os devidos cuidados externos de quem tem o poder de reproduzir a vida.

Assim, o aborto, sem o respaldo jurídico, é considerado crime, sendo a pena maior para quem comete o tipo penal sem o consentimento da gestante (art. 126, CP).

O direito defende a vida e esta tem proteção absoluta pelo texto Constitucional. Calma, sei que você leitor deve estar pensando: ora, os magistrados e os doutrinadores do direito dizem que “não há direito absoluto” e como posso estar lendo essa afirmação, ainda mais partindo de um advogado atuante?

Sim! Repito: o direito à vida tem proteção absoluta pelo texto constitucional!

Dizer que não há direito absoluto, no caso, o direito à vida, em razão da legítima defesa e da pena de morte, este último em tempo de guerra, não convalida a proposição da relativização da vida.

Há direito absoluto e a Constituição garantiu que esse direito fosse preservado, a ponto de garantir a defesa da vida por meio da legítima defesa.

Em caso de aborto (não digo interrupção da gestação por se tratar de eufemismos), a jurisprudência do STF permite o aborto de feto com anencefalia (ADPF 54), por entender que nessa circunstância trata-se de um natimorto, por não haver vida em potencial.

Já a vida extrauterina, se o feto ou criança tem lábio leporino, ausência de membros, pés tortos, sexo dúbio, Síndrome de Down, extrofia de bexiga, cardiopatias congênitas, entre tantas outras, enfim, quando não se trata de feto portador de deficiência grave que permita sobrevida extrauterina, não se permite aborto, salvo se colocar em risco a vida da gestante.

Somente no direito penal, art. 128, inc II, Lei ordinária de 1940, hierarquicamente, abaixo do texto constitucional, que não se pune o aborto praticado por médico, independente da saúde mental e/ou física da criança, em razão do estupro, seja vulnerável ou não.

A constituição de 1988 protege a vida, como já mencionado acima, sendo a legítima defesa também uma proteção da vida.

Vejamos:

O traidor, em tempo de guerra, também coloca em risco a vida dos soldados e da sociedade, daí a Constituição garantir o Direito à Vida (art. 5º, inc. XLVII), permitindo o fuzilamento do traidor (art. 56, Código Penal Militar Brasileiro).

No caso de aborto em razão de risco de vida da gestante (art. 128, inc. I, do CPB), foi acertada a sua positivação em nosso ordenamento jurídico, visto que o Estado permite que a gestante, que se encontra com gravidez de risco, o direito de abortar, o que dá a ela o direito de decidir entre a sua vida e a do nascituro (legítima defesa).

Dessa feita, não resta dispositivo em nossa Constituição Federal, Carta essa que todas as leis devem respeitar.

Daí, pergunto ao nobre leitor, com base na decisão do STF, na ADPF 54, que permitiu o aborto de bebê anencéfalo, entendeu que este não teria sobrevida extrauterina, o que não gera conflito com o texto constitucional, por se tratar de natimorto:

 

1 – O bebê que é abortado, sem colocar em risco a vida da gestante, mas, devido ao estupro, não teria ele a proteção Constitucional, a proteção de nascer, respirar e ganhar seu direito da personalidade civil?

 

2 – Ao permitir o aborto, em razão de estupro, não estaríamos contra a Constituição Federal, que assim estabelece: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;”?

 

3 – O trauma gerado, em razão do crime hediondo de estupro, é maior do que o direito à vida?

 

Como já dito, que a sua reflexão e análise sejam de conteúdo, ou seja, se a Constituição Federal permite ou não permite a morte de um bebê que não causa risco de morte para a gestante e que não seja natimorto.

8 Comments

  1. Rogério Magalhães disse:

    Nobre Loiola : abraço integralmente sua tese de que o direito à vida, previsto na Carta magna, não pode ser derrogado nem mesmo diante concepção do crime hediondo de estupro, pois o nascituro tem direito legal à vida, mormente no caso sob comento, já que o nascituro não tem como se defender do crime cruel perpetrado contra sua personalidade em formação. Tenho uma só dúvida que poderia comprometer seu entendimento, qual seja, se o fato de se tratar de uma mãe, menina de 10 anos, não traria risco de vida à mãe ao conceber a criança, aos dez anos e nove meses.

    • Loiola disse:

      Boa tarde, nobre Rogério.

      Agradeço a atenção dada ao meu texto e fico feliz em poder compartilhar de diálogo com o colega.

      Em relação a criança de 10 anos, que foi estuprada, violentada e abusada dos 6 as 10 anos de idade, não tenho dados confiáveis se a gravidez seria de risco ou não, mas ouvi na BandNews que ele tinha uma estrutura corporal de uma adolescente, que não se encontrava com gravidez de risco. Ao contrário, a criança estava com toda sua estrutura formada, pelo menos a parte dos membros, com 6 meses.

    • Luiz Carlos Martins de Oliveira disse:

      Os seguintes dados do DataSUS podem esclarecer a verdade sobre o risco de morte materna para as crianças com idades entre 10 e 14 anos, caso ela conte com atendimento pre natal e hospitalar.

      Segundo o DataSUS, em 2018, o número de mortes maternas, por faixa etária, por morte obstétrica direta, durante gravidez, parto ou aborto, ocorrida em atendimento hospitalar são as seguintes:

      Entre 10 e 14 anos = 1 morte*
      *[Ocorrida no Mato Grosso do Sul.
      Não houve mortes, entre 10 e 14 anos,
      em todas as demais unidades da federação]

      Entre 20 a 29 anos = 98 mortes

      Em todas as idades = 275 mortes
      Fonte: A partir do endereço seguinte, pré-selecionando as categorias pertinentes:
      http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?
      sim/cnv/mat10uf.def

  2. Rogério Magalhães disse:

    Correção do final do meu comentário: “… ao dar à luz …”.

  3. Dri disse:

    Pbs pelo texto e pela coragem de sempre!

  4. Márcia Bianchi disse:

    Somente um homem mesmo daria essa opinião. Dr, será que o sr faz a mínima ideia do que significa para uma mulher dar á luz o fruto de seu estuprador? Ter que viver com um ser que – salvo se ela for um robo – a lembrará todos os dias do horror que sofreu?? Sua idéia é absurda e desumana. Aborto sim, direito da mulher sobre o próprio corpo. Não deveria existir nenhum dispositivo elgal que limitasse a decisão e td aborto até o fim do terceiro mes deveria ser livre escolha da gestante, como em países civilizados que não vivem sob o tacão da falsa moralidade cristã. Eis minha opinião sobre a bobagem que o Sr advoga; Em tempo: sou Márcia Bianchi, advogada desde 1985, e trabalho há 30 anos com mulheres vítimas de violência. O Sr deveria conhecer algumas delas.

  5. Paulo Alexandre disse:

    Loiola sendo loiola…
    coerente com seus pensamentos e atitudes, alem de corajoso para
    debater temas controvertidos.no nossos sistema de justiça criminal. Parabéns amigo Loiola.

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