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PRERROGATIVAS E STF

Por: Isabela Bueno:

 

Em um Estado Democrático de Direito, é primordial o respeito às garantias fundamentais. Para que possam ser asseguradas, é necessário haja proteção jurídica a elas, razão pela qual o papel do advogado é de suma importância para tal mister.

Cabe ao advogado exercer seu múnus público com excelência. Destarte, sua atividade é considerada indispensável à administração da justiça, reconhecendo a Constituição Federal a indispensabilidade de seu exercício para a prestação jurisdicional.

Sem embargo, não é possível exercer com eficiência a defesa dos cidadãos que estejam sob julgamento da justiça se as prerrogativas dos advogados não estiverem sendo respeitadas.

A advocacia, atualmente, passa por fase delicada quanto a esse ponto. As últimas ocorrências constatadas na Suprema Corte denotam o risco que o ultraje às prerrogativas pode causar à estrutura democrática de um país e à proteção de suas garantias.

No dia 14 de março, por meio da Portaria nº 69, instaurou-se o inquérito sob nº 4781. Na sua Instauração, já se denotou a primeira afronta à Carta Magna, ao ser designado de ofício o ministro Alexandre de Moraes como competente para conduzir toda a persecução criminal referente aos supostos crimes de calunia, injúria ou difamação, desferidos contra Ministros do Supremo Tribunal Federal, inclusive contra seus familiares.

O princípio do juiz natural está amparado no artigo 5º da CF, em seu inciso LIII, como garantia processual penal. O artigo 8º, I da Convenção Americana dispõe proteção a essa garantia ao aduzir que devem os indivíduos ser ouvidos por “juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente pela lei”. A própria Suprema Corte reforça esse entendimento ao prever em seu Regimento Interno, artigo 66, a exigência de sorteio ou prevenção para a distribuição de processos, devendo se entender em sentido amplo a concepção do termo processo.

Outra ilegalidade possível de se extrair da mesma portaria, que ocorre em todo o trâmite do Inquérito, diz respeito ao princípio do juiz imparcial e ao sistema acusatório, ambos previstos pela Carta Magna. O juiz natural é reflexo da proibição da criação de tribunal de exceção, previsto no artigo 5º, inciso XXXVII. Essa norma visa garantir julgamento justo aos cidadãos, corroborando a independência e imparcialidade que a todo magistrado são exigidas. Os juízos e Tribunais devem ser criados antes dos fatos a serem julgados, e suas competências devem vir asseguradas em leis cujas vigências sejam anteriores à firmação da competência prevista a eles.

Outra garantia essencial a um Estado Democrático de Direito vem enunciada no artigo 129, da CF, em seu inciso I. Por esse Sistema, as funções de acusar, julgar e defender se encontram bem definidas e separadas. Isso ocorre como salvaguarda à paridade de armas entre todas as partes que participem do trâmite do procedimento processual ou judicial. Nesse Sistema, a publicidade dos atos é a regra. Há que se ter equidistância do magistrado em relação às partes.

Todas as garantias supramencionadas formam o arcabouço jurídico para que possam ser oferecidos ao advogado condições para a realização de uma defesa plena à parte que representa. O objetivo é buscar a verdade, de forma a ampliar ao máximo um desfecho justo para o caso.

Quando as garantias processuais são desrespeitadas por quem deveria protegê-las, ocorre um desequilíbrio em todo o procedimento, prejudicando a defesa das partes que participam do processo, afetando a atuação do advogado que se bate pelo respeito às garantias individuais e processuais. Garantindo-se a ele atuação legítima e ampla.

Um juiz que julga, sendo a suposta vítima, e que acusa e conduz a investigação, afeta o equilíbrio que se exige entre as partes. Não possui a equidistância necessária do processo, situação que prejudica o trabalho do advogado que, para garantir zelo à defesa, deve atuar com paridade de armas. Quando a paridade de armas fica abalada, há afronta as prerrogativas do causídico, pois a ele não é garantido exercer com plenitude seu múnus público. A busca da justiça fica sob risco. A democracia não sobrevive sem justiça.

Em um Estado Democrático de Direito, é inadmissível a existência de Tribunais de exceção, pois não há justiça onde Tribunais são criados com o fito de realizar perseguições de natureza política ou contra “inimigos” do Estado-juiz. O ministro Alexandre de Moraes é designado de ofício pelo Presidente do STF, Dias Toffoli, no momento da divulgação da Portaria que autoriza a instauração do inquérito. Essa designação, sem respeito à distribuição por sorteio, afronta o juiz natural, remetendo-se aos tempos dos tribunais de exceção. A democracia cambaleia assim que se verifica a afronta ao juiz natural.

Outro fato, não menos relevante, que se presencia no malfadado inquérito das fake news, é o impedimento de acesso ao seu inteiro teor. Não deve ser negado ao advogado tomar conhecimento dos atos de investigação, sob pena de se ver a defesa da parte sucumbir para as arbitrariedades e ilegalidades praticadas pela autoridade que conduz o inquérito.

O Ministro Alexandre de Moraes não está permitindo que os mandatários dos investigados tenham acesso aos autos. O que lhes foi permitido tão somente foi acesso às cópias de um dos apensos, restando dezenas deles sem vista. Há que se destacar que obter as cópias não é o mesmo que se ter acesso. Não é permitido aos advogados manusear os autos originais para que possam se certificar de que as cópias do apenso de fato correspondem àquelas que se encontram nos autos. Tampouco a súmula 14 do STF está sendo respeitada, a qual garante o direito de acesso ao inteiro teor de processo ou inquérito.

Não há dúvida de que as prerrogativas advocatícias estão sendo gravemente desrespeitadas. O que causa estranheza é a apatia da Ordem Dos Advogados, que, muito timidamente, impetrou Habeas Corpus para requerer o acesso aos autos para alguns advogados. No entanto, dias atrás, o ministro relator, Fachin, proferiu seu voto, entendendo ser o HC a via inadequada para tratar do tema. Outros sete ministros seguiram o relator, formando a maioria exigida para concluir a decisão a ser tomada.

Por outra vertente, não se pode ignorar a existência da lei de abuso de autoridade como vem fazendo a OAB. A Entidade finge não existir a lei para não a acionar contra o ministro do STF, que, em notório e manifesto desrespeito às prerrogativas, atinge direitos individuais de defesa de cidadãos e por consequência fragiliza o Estado Democrático de Direito, sendo um de seus sustentáculos o respeito à lei pelos Poderes Constituídos.

Há que se atentar para o incêndio. Uma pequena brasa, quando começa na casa do vizinho, caso não seja apagada transforma-se em incêndio capaz de atingir toda a vizinhança. O precedente aberto pelo STF abre margem para que os juízes de primeira Instância e segunda também impeçam advogados de ter acesso aos autos. Afinal, se à Corte Suprema é permitido esse abuso, por que aos outros juízos não seria possível seguir o exemplo mor?

Se acaso um dos Tribunais tenha por editado em seu regimento interno norma que permita a desembargador instaurar inquérito em que ele possa ser condutor da investigação, juiz, parte e acusação, o que poderia lhe impedir de cometer tamanha tirania, quando a maior Corte do pais abriu brecha para que isso seja possível?

Por isso, é necessário que os advogados exijam da OAB que jogue água na brasa e apague o fogo enquanto não alcança a vizinhança. Depois que o incêndio se espalha, o prejuízo se torna incalculável, com a justiça sendo incendiada e asfixiada pela fumaça. O caminho que a água deve percorrer transita no artigo 32 da lei 13.869/2019. Só assim o incêndio poderá ser contido. A não-permissão de acesso ao inquérito, conforme preleciona essa norma, seria ato criminoso. É salutar a natureza não apenas sancionatória dessa norma, como também sua natureza pedagógica.

O que a classe espera é que os dirigentes da Entidade que lhe deve representar estejam atentos ao seu compromisso exigido pelas normas que prescrevem o papel da OAB e da advocacia. O dever central da Instituição lhe impõe defesa intransigente da democracia e das liberdades públicas, para a garantia de um Estado Democrático de Direito, jamais se esquecendo da importância à proteção das prerrogativas dos advogados. O advogado é indispensável para administração da justiça, cujo fim mediato é a pacificação social.

O que se diz aqui é NÃO para a omissão dos dirigentes da OAB em relação ao desrespeito que toda a classe vem sofrendo, quando aos advogados não está sendo permitido acesso aos autos do Inquérito 4871, que ilegalmente vem sendo conduzido por um ministro que concentra todos os poderes em suas mãos: julga, acusa, é parte e conduz investigação, tal qual ocorria com a existência do AI-5, em que o executivo concentrava em suas mãos os poderes do legislativo e do judiciário. Mudam-se os Poderes, mas o modus operandi do AI-5 continua vivo nas mãos de um ministro.

O que se diz NÃO é ao desrespeito às normas constitucionais que preveem o juiz natural, o princípio da imparcialidade do juiz, a defesa ao Sistema acusatório e a proteção às garantias individuais.

Espera-se que os dirigentes da OAB saiam de seu sedentarismo oportuno e façam a defesa da Constituição Federal e da democracia. Em tempos remotos, a OAB era responsável por fazer com que a profissão fosse o diamante lapidado do Sistema Jurídico do País. Que se possa voltar aos tempos cristalinos.

4 Comments

  1. Loiola disse:

    Excelente texto. Parabéns!

  2. Paulo Faria disse:

    Parabéns Dr. isabela. Brilhante e direto ao ponto. Nós precisamos defender nossas prerrogativas contra esses senhores que se acham SUPREMOS. Rendo vênias ao seu trabalho e garra na luta pela defesa das prerrogativas e de uma OAB livre de ideologias e comunistas. Sinceros parabéns.

  3. Clotilde Amado disse:

    Excelente artigo, Isabella Bueno! Muito me preocupa essa situação no STF, pois é corriqueira em delegacias no que se refere a inquéritos policiais. Sempre omitem informações e nem adianta fazer pedido por escrito, citar a súmula 14 do STF. No entanto, agora surge a esperança: Lei 13.869/19. Se vai adiantar, eu não sei, à princípio, parece inócua, mas se todos que forem afrontados, processarem às autoridades, com o tempo vai surtir efeito. Parabéns, Isabela Bueno!

  4. Rayane disse:

    Muito boa a iniciativa. Sucesso! Parabéns!!!

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